Muito provavelmente, a maioria de nós já se imaginou vivendo em um castelo em algum momento da vida, seja na infância embalada pelos contos de fadas, seja na fase adulta estudando sobre a monarquia europeia. Levando em conta esse fascínio, o que você acharia se tivesse a possibilidade de comprar o seu próprio castelo? Por 370 mil dólares, isso era possível na Turquia em meados de 2014. Seriam 325 metros quadrados de puro luxo, com torres azuladas e escadas em caracol. A única questão é que ao lado do seu castelo haveria outros 731 idênticos. Mas quem se importa com exclusividade diante da possibilidade de viver um conto de fadas da Disney?
É possível imaginar que o discurso de venda do empreendimento Burj Al Babas, lançado em 2014 na cidade turca de Mudurnu, fosse algo semelhante a esses dois primeiros parágrafos. De qualquer forma, independentemente do apelo comercial, as vendas foram um sucesso. Os preços variavam entre 370 mil e 530 mil dólares de acordo com a localização de cada unidade, e metade delas foram vendidas logo no lançamento do projeto, especialmente para clientes do Qatar, Bahrein, Kuwait e Emirados Árabes Unidos, que buscavam casas de veraneio.
Situada em um vale coberto de pinheiros e abençoado por fontes termais, essa localidade na Turquia é uma das partes mais históricas e bonitas do país. No início dos anos 2000, ela chamou a atenção de promotores imobiliários e investidores de todo o mundo e entre eles estava a Sarot Group, que já havia construído dois hotéis de fontes termais na região e, em 2014, lançou o projeto mais ousado de sua história: o Burj Al Babas.
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Fascínio e repulsa pela estética do abandonoO empreendimento foi anunciado como um dos maiores resorts ultraluxuosos da Turquia, contando com mesquitas, salões de beleza, banhos turcos com as águas termais da região, além de um shopping center com uma arquitetura que lembraria o Capitólio de Washington. Tudo isso envolto por 732 casas em formato de castelos da Disney, como uma reprodução desajeitada do arquétipo histórico. Tratava-se de uma mistura inusitada entre pavimentos de madeira e mármore, paredes e forros decorados com gesso, piscinas internas e externas, fontes, além de elevadores modernos, sistemas de calefação e domótica de última geração. E, como se não bastasse a estranheza de uma unidade, ela seria reproduzida de maneira idêntica mais de 700 vezes.
A estética curiosa do empreendimento não passou despercebida pelas autoridades e moradores locais, que passaram a criticar a linguagem escolhida, temendo a possível perda da essência cultural do local e seu impacto no turismo e na história da região. Além disso, no início das obras, a Sarot Group foi acusada de derrubar árvores ilegalmente para a construção do resort. A partir de então, a história começou a se complicar.
Em 2018, à medida que o mercado imobiliário e a economia global se deterioravam, a lira turca perdia valor. Nesse contexto catastrófico, a Sarot se viu sobrecarregada de dívidas e declarou falência, abandonando 587 unidades que estavam em construção. Nos anos seguintes, a empresa reafirmou continuamente a esperança de retomar o projeto, chegando a declarar que havia perspectivas de venda de mais 100 castelos, o que poderia ajudar a quitar as dívidas, algo que nunca aconteceu.
Seis anos depois, os quase 600 castelos abandonados compõem um cenário estranho, como se a Disney tivesse lançado uma história de princesas em um futuro distópico. No entanto, a atmosfera de cidade fantasma é apenas um aspecto potencializador desse arranjo tão peculiar. Os minicastelos também suscitam reflexões sobre a manifestação kitsch da arquitetura, que parodia incessantemente um ideal de luxo e romantismo até que perca seu sentido. Entre torres azuladas e pequenas janelas ogivais, os castelos do Burj Al Babas materializam um estranho paralelo entre elementos da cultura de massa e o desejo de ostentar imponência. Assim, recria-se nessas arquiteturas um realismo pop que promove uma natureza artificial, reforçando estereótipos e aproximando-se da ideia de pastiche, ou da imitação descontextualizada de elementos. Além disso, o sucesso de vendas dos castelos também reflete o perfil do consumidor atual, com alto poder aquisitivo, interessado em formas importadas em detrimento de soluções autênticas.
Toda essa variedade de reflexões surge em um momento oportuno, pois uma das últimas atualizações sobre o empreendimento revela que ele foi adquirido pela NOVA Group Holdings, uma empresa multinacional americana que planeja continuar o desenvolvimento da obra. Agora, resta observar qual direção a nova empresa seguirá: se aproveitará a fama alcançada e transformará o complexo em uma atração turística peculiar, ou se optará por uma reabilitação com modificações arquitetônicas para suavizar o "efeito kitsch". Talvez esteja na hora do sonho de princesa desmoronar.
Esta matéria faz parte de uma série do ArchDaily intitulada AD Narratives em que compartilhamos a história por trás de um projeto selecionado, mergulhando em suas particularidades. Todos os meses, exploramos novas construções ao redor do mundo, destacando sua história e como elas surgiram. Também conversamos com o arquiteto, construtores e comunidade, buscando ressaltar suas experiências pessoais. Como sempre, no ArchDaily, valorizamos muito a contribuição de nossos leitores. Se você acha que devemos apresentar um determinado projeto, por favor, envie suas sugestões.